sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A Cultura numa perspectiva Antropológica (Parte II)

Então, após todas estas explicações, em que consiste ao certo o conceito de Cultura?
 Na perspectiva do antropólogo britânico Edward Tylor,(considerado o pai do conceito moderno de Cultura):
 
Cultura é “o todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro de uma sociedade”.
In Primitive Culture (1871)

Há que referir que Tylor foi o primeiro a formular o conceito de cultura do ponto de vista antropológico, ainda em vigor. Na verdade, ele apenas formalizou uma ideia que vinha a crescer desde o Iluminismo. Já John Locke (filósofo britânico e fundador da ideologia liberal), em 1690, afirmava que a mente humana era “uma caixa vazia no nascimento, dotada de capacidade ilimitada de obter conhecimento”, conceito que hoje designamos por endoculturação (processo permanente de aprendizagem de uma cultura por um indivíduo).

Taylor enfatizou, portanto, a ideia da aprendizagem na sua definição de cultura:
o Homem é, por natureza, um animal “versátil” que, munindo-se de instrumentos como a Cultura, conseguiu compensar o seu contínuo processo de inacabamento, do ponto de vista biológico, com uma grande complexificação cerebral. Isto permitiu-lhe sobreviver através dos tempos, ainda que com um equipamento biológico relativamente simples.
Atentemos no seguinte exemplo:
Um esquimó que deseje morar num país tropical, adapta-se rapidamente; substitui o igloo e os seus grossos casacos por um apartamento refrigerado e roupas leves, enquanto o urso polar não pode adaptar-se fora do seu ambiente.
Logo, verifica-se que a Cultura surgiu da necessidade de adaptação do Homem aos diferentes ambientes. Em vez de nascer geneticamente predisposto para se adequar somente a um determinado local, como os restantes animais, o Homem recorre não só, mas também, a elementos epigenéticos. Por exemplo, a baleia perdeu os membros e os pêlos e adquiriu barbatanas para se adaptar ao meio marítimo. Enquanto a baleia teve que transformar-se ela mesma num “barco”, o homem utiliza um equipamento exterior ao corpo para navegar.
Além disso, a Cultura trata-se um processo acumulativo: o Homem recebe conhecimentos e experiências “acumulados” ao longo das gerações que o antecederam e, se estas informações forem adequada e criativamente manipuladas, permitirão inovações e invenções.
Assim, estas não são o resultado da acção isolada de um indivíduo, mas o esforço de toda uma comunidade.
Roger Keesing, antropólogo, no seu artigo Theories of Culture (1974), define Cultura de acordo com duas correntes:


 As teorias que consideram a cultura como um sistema adaptativo: culturas são padrões de comportamento socialmente transmitidos que servem para adaptar as comunidades humanas ao seu modo de vida (tecnologias, modo de organização económica, padrões de agrupamento social, organização política, crenças, práticas religiosas, etc.)
 

 As teorias idealistas da cultura são divididas em três abordagens:
     
A primeira considera cultura como sistema cognitivo ("consiste em tudo aquilo que alguém tem de conhecer ou acreditar para operar de maneira aceitável dentro da sociedade").

A segunda abordagem considera cultura como sistemas estruturais ("um sistema simbólico que é a criação acumulativa da mente humana). O seu trabalho tem sido o de descobrir na estruturação dos domínios culturais – mito, arte, parentesco e linguagem – os princípios da mente que geram essas elaborações culturais.

A terceira abordagem considera cultura como sistemas simbólicos (é um sistema de símbolos e significados partilhados pelos membros dessa cultura que compreende regras sobre relações e modos de comportamento).
No fundo, a Cultura é uma lente através da qual o homem vê o mundo - pessoas de culturas diferentes usam lentes diferentes e, portanto, têm visões distintas da realidade.
Além disso, este facto tem como consequência a propensão para considerar o seu modo de vida como o mais correcto e o mais natural (etnocentrismo), depreciando o comportamento daqueles que agem fora dos padrões da sua comunidade.
Comportamentos etnocêntricos resultam, geralmente, em apreciações negativas dos padrões culturais de povos diferentes, onde as práticas de outros sistemas culturais são vistas como absurdas.
Mas ainda assim, o etnocentrismo é um “comportamento universal”, na medida em que é comum a crença de que a nossa própria sociedade é a mais correcta.
 
Em oposição ao etnocentrismo, surge a apatia. Em lugar do “prestar culto” dos valores da sua própria sociedade, num momento de crise os indivíduos abandonam a crença naquela Cultura e perdem a motivação que os mantém unidos.
Por exemplo, os africanos, quando foram trazidos como escravos para uma terra estranha, com costumes e línguas diferentes, perdiam a motivação de continuar vivos e muitos praticavam suicídio.
É importante frisar que, embora nenhum indivíduo conheça totalmente o seu sistema cultural, é necessário que o indivíduo tenha um mínimo de conhecimento da sua cultura para conviver com os outros membros da sociedade. Nenhum indivíduo é perfeitamente “socializado”, mas é nesta imperfeição que reside a grande força transformadora de um sistema cultural, que está em contínuo processo de mudança.

A mudança cultural subdivide-se em dois tipos: interna (resulta da dinâmica do próprio sistema cultural e, é lenta; porém, o ritmo pode ser alterado por eventos históricos, como uma catástrofe ou uma grande inovação tecnológica) e externa (é o resultado do contacto de um sistema cultural com outro; esta é mais rápida e brusca).
Em suma, o tempo é um elemento a ter em conta aquando da análise do conceito de Cultura e, da mesma forma que é importante para a Humanidade a compreensão das diferenças entre os povos de culturas diferentes, é necessário entender as diferenças que ocorrem dentro do mesmo sistema, considerando factores como hereditariedade, espaço, tempo e, o mais substancial de todos, a capacidade de mudança.


Por Helena (Com base na obra Cultura, um conceito Antropológico, de Roque de Barros Laraia)

Sem comentários:

Enviar um comentário